OFICINA

ARTE MARCIAL E MEDITATIVA NO TREINAMENTO DO ATUANTE

GITA - PESQUISA 2020

O Grupo de Investigação do Treinamento Psicofísico do Atuante - GITA abre inscrições para uma Oficina de Treinamento Psicofísico com Artes Marciais e Meditativas Asiáticas. A oficina oferecerá iniciação nas práticas do T"ai Chi Ch' Uan, Kalarippayattu e Hatha Yoga, seguindo a metodologia de investigação do professor, diretor e performer norte-americano Phillip B. Zarrilli, cujas práticas marciais e meditativas mencionadas são utilizadas para fundamentação do trabalho de atuantes de várias partes do mundo. Além disso, também serão abordados os aspectos interculturais, éticos, filosóficos e estéticos do programa de treinamento de Zarrilli, praticado no GITA.

Atuando na cidade desde 2006, o GITA acumula uma experiência de sete montagens teatrais, todas elas partindo do núcleo fundamental da pesquisa do grupo, isto é, o treinamento psicofísico com artes marciais e meditativas asiáticas. O grupo é vinculado ao Instituto de Ciências da Arte da UFPA e cadastrado no diretório de grupos do CNPq, tendo publicado dois Cadernos de Pesquisa, onde compartilha alguns princípios de trabalho diretamente ligados aos seus processos criativos.

Mesmo com essa pequena trajetória de pesquisas ininterruptas em Belém, observamos que ainda existem muitas dúvidas que envolvem os interessados em praticar algum tipo de treinamento voltado para a atuação teatral: Por que ou para que treinar? Treinar é o mesmo que ensaiar? O treinamento psicofísico é o mesmo que preparação corporal? O treinamento é uma técnica de atuação? O treinamento equivale ao treinamento de um esportista?

E quando o treinamento abrange artes marciais e meditativas asiáticas, as dúvidas parecem se multiplicar: o treinamento do GITA vai me transformar num(a) artista marcial? Usarei as formas codificadas do treinamento na cena? O treinamento com artes marciais se destina a cenas que tenham lutas? O treinamento do GITA é voltado somente para uma estética que não privilegia o texto? A repetição dos exercícios do treinamento (formas codificadas) não limitam a criatividade do atuante? Por que usar artes marciais e meditativas asiáticas e não uma outra mais próxima de nossa cultura, como a Capoeira, por exemplo? O que um treinamento com práticas milenares da Ásia tem a ver com a realidade do teatro produzido em Belém do Pará?

No GITA observamos que essas, e outras dúvidas, ainda são muito recorrentes. Acreditamos que alguns dessas questões estão diretamente ligadas ao próprio termo "treinamento", que, por vezes, evoca ideias que parecem colidir com o exercício da criatividade e inventividade - elementos essenciais no trabalho de todo artista - e ocasionar o comprometimento do livre espírito da criação. O uso do termo no campo esportivo, militar e até no adestramento de animais, talvez, corrobore com esse entendimento superficial e deturpado que se faz do termo voltado à atuação teatral. Treinar, nesses casos, se resumiria a uma rotina de exercícios para aperfeiçoamento técnico do atuante. Se fosse realmente assim, poderíamos questionar: qual aperfeiçoamento técnico é imprescindível para o atuante nos dias atuais numa conjuntura de atuação não-representativa, fundamentalmente, atravessada e contaminada pela arte da performance, pelo performativo e pelas narrativas pós-dramáticas? Ou ainda: que aperfeiçoamento técnico a oficina de treinamento com artes marciais (tai chi ch' uan e kalarippayattu) e meditativa (hatha yoga) asiáticas promovidas pelo GITA podem oferecer aos atuantes de Belém, uma cidade que desenvolveu, ao longo das últimas duas décadas, uma rede de espaços autopoéticos e independentes, marcadamente por uma poética experimental, intimista e autoral?

São questões instigantes e muito relevantes que a oficina de treinamento do GITA pretende abordar e problematizar, oportunizando assim um debate contemporâneo sobre esse eixo temático. Afinal é importante lembrar que o termo "treinamento" voltado à arte da atuação teatral é recente se considerarmos os mais de vinte e cinco séculos de história do teatro no ocidente. O debate sobre modos, sistemas, métodos e/ou programas de treinamento se intensificam somente a partir do início do século XX, ocasião na qual, na Europa, algumas pesquisas pioneiras procuram renovar os cânones da arte teatral que ainda se via muito atrelada a primazia do texto. Nessa esteira destacam-se os russos Constantin Stanislavski (1863-1938), Vsevolod Meyerhold (1874-1940), Yevgeny Vakhtângov (1883-1922) e o francês Jacques Copeau (1879-1949), dentre outros, que inauguraram uma nova fase de reflexões sobre o trabalho do atuante no ocidente. Desde, então, o entendimento e as propostas de treinamento têm sido elaborados e reelaborados de acordo com o contexto histórico, problemas e necessidades específicas de cada diretor/pensador teatral.

O programa de treinamento com artes marciais e meditativas asiáticas desenvolvido por Phillip B. Zarrilli e Adolphe Clarence Scott, ainda nos idos dos anos sessenta e setenta, é apenas um desses diversos modos de trabalhar a arte do atuante. O GITA pratica esse sistema e, segundo o próprio Zarrilli, "(...) é impossível falar de treinamento do atuante como se fosse uma coisa, separado do contexto particular dentro do qual o treinamento ocorre, e sem referência ao tipo de performance em relação ao qual se está preparando" (2002, p.87).

Portanto, desenvolver uma pesquisa de treinamento com artes marciais e meditativas asiáticas que parte dessa premissa oportuniza, dentre outras coisas, refletir sobre o próprio paradigma de atuação presente e operante na cidade. Daí a relevância dessa oficina de treinamento promovida pelo GITA: muito além de aperfeiçoamento técnico ou de uma opção estética ou poética - afinal, o treinamento psicofísico que praticamos se presta a qualquer estética ou poética - buscamos pensar e compreender o paradigma de atuação local à luz de uma formação humanística com princípios éticos muito bem estabelecidos nas suas tradições de origem (Índia e China); uma formação contínua que proporcione, progressivamente, a integração mente e corpo por meio de um processo psicofísico de desenvolvimento do atuante.

Assim, não sendo a técnica um fim em si, não é a repetição precisamente técnica dos exercícios codificados das artes marciais e meditativa que importa numa oficina de apenas 20 horas de duração, mas sim o processo de iniciação em práticas corporais cujo eixo estruturante de todas as atividades é a disciplina. Trata-se também de uma oportunidade para que os interessados em continuar com os treinos se agreguem ao GITA e desensolvam um plano de trabalho artístico como novos membros pesquisadores do grupo.

A oficina tem vagas limitadas (15 vagas) e será realizada na Escola de Teatro e Dança da UFPA no período de 12 a 21 de fevereiro - diariamente, sempre de 9:00 às 11:00 - sendo ministrada pelos professores Cesário Alencar e Edson Fernando. Os interessados devem ter alguma experiência em atuação teatral. A ficha de inscrição deve ser solicitada pelo e-mail treinogita@gmail.com, e devolvida preenchida - também por e-mail - até o próximo dia 9 de fevereiro.

Evoé!

Referências

FERAL, Josette. Vousavez dit "training"? (Você disse training?). in BARBA, Eugenio et alii, p. 7-27, Le trainingde l'acteur (o training do ator). Artes/Paris: Actes Sud-papiers/Conservatoire National Supérieu d' Art Dramatique, 2000. (Trd. José Ronaldo Faleiro)

Zarrilli, Phillip B. 2002a. Acting (Re) Considered, 2nd edition. London: Routledge, 2002a.

ZARRILLI, Phillip. Psychophysical Acting: An intercultural approach after Stanislavski. Routledge2 Park Square, Milton Park, Abingdon, Oxon ox14 4RN. Simultaneously published in the USA and Canadaby Routledge 270 Madison Avenue, New York, NY 2009.

ZARRILLI, Phillip B.; SASITHARAN, Thirunalan; KAPUR, Anuradha (Edited by).

Intercultural Acting and Performer Training. New York: Routledge, 2019.